VT

VT

Meu depoimento

 

Tenho como documento uma carta enviada a Walter Zanini em 1996.

Já não lembro o motivo da correspondência mas, certamente, estava ligada a alguma pergunta que me foi feita.

Transcrevo, o que pensava na época:

"Zanini.

Nos anos 1970 quando fazia coisas com VT, o que pensava, e queria, era, sobretudo, "desalienar" o meio. 

Isto valia para todos os meios disponíveis, do VT ao correio; cinema; fotografia... enfim tudo com que se pudesse imaginar o mundo ou, como gostava de dizer na época, a circunstância.

Tratava-se de uma posição política, e lembro, em alguma entrevista declarei: "ou arte ou política. Esta é uma declaração política"¹.

O que me movia era a necessidade de implantar, não sei por que, uma vontade por trás dos "media".

Em nenum momento pensei que a arte teria que ter qualquer espécie de exclusividade com relação a este meio ou outro. ou multimedia como alguns de nós procurava impor.

Como exemplo posso citar que nunca deixei de admirar pintores e, na épocoa, era fâ do Baravelli, como continuo em relação ao Baravelli daquele periodo. Tinha, isto sim, algum cuidado com misturas de meios em apresentções, de modo a não deixar proposições em meios tradicionais, ainda que experimentalistas, contaminarem experimentações com meios, que era o que fazia.

Também nunca cheguei a acreditar que tudo aquilo pudesse ser uma revolução na arte. Achava -também acho agora- que se tratava de uma revolução em curso, começada muito antes, que tinha a ver com liberdade e não com engajamento. Liberdade em sentido bem amplo de scolha pela vontade.

E o paradoxo que permanece, em part resolvido pela performance, em parte pela "arte matérica" de hoje (mal resolvida porém) é termos continuado com a necessidade de um "medium" interpondo-se entre o artista a sua circunstância (a vida real  para entender melhor) o que, convenhamos, é um tanto alienante.

Gabriel Borba, setembro 1996"

 

A declaração foi usada em Receita de Arte Brasileira

Gabriel Borba

 

 

 

Conjunto da Obra

ME

Nós

O Gato Acorrentado a Um Só Traçado

O Vento Uiva, ouça

Obra esparsa

Opereta

Pequeno Mobiliário Brasileiro

O Vento Uiva, ouça, 2020

video performance online

Obras, Séries e Coleções: O Vento Uiva, ouça

Exposições: Flusser 100 Anos

O Vento Uiva, ouça

Meu depoimento

Para celebrar os 100 de Flusser, em evento online, optei por um video simples baseado na profunda impressão deixada por episódio da minha experiência como seu assistente. Tive a colaboração de Monai de Paula Antunes, pesquisadora de arte, colaboradora do  Vilém Flusser Archiv, Berlin, tudo feito por recursos de telefone celular, vencendo a distância que nos separava.

O conjunto a que dei o título O Vento Uiva, ouça é composto por Declaração; manifestação Poética sobre leitura de trecho de Vento e Finale.

 

Declaração

Trabalhei com Flusser por alguns anos. Era seu assistente. Naqule tempo ele costumava pedir-me que lesse em voz alta aquilo que escrevia. Em uma ocasião pediu-me que lesse Ventos que está no livro Natural:Mente. Mas ele queixou-se que eu lia muito rápido. Retomei a leitura mais devagar e concentrado. Mergulhei no texto, senti o vento e suas variantes e, em um certo ponto umas tantas linhas me emocionaram. Esforcei-me para que não se notasse. Mais uma página até o fim, li a última citação "this is all the wisdom I can reap: I came like water and like wind I go" (esta é a única sabedoria que posso apanhar:  eu vim como água e como vento eu vou). Abaixei o livro, levantei os olhos e percebi que alguma coisa tinha mudado.

Gabriel Borba para O Vento Uiva, ouça

 

 

Texto sob manifetação Poética

“... o vento uiva, isto é, fala. Portanto não é coisa. Coisas não falam. O vento não é um algo; é alguém a quem devo responder, é um tu que me chama para eu ser eu. Por ser um tu, o vento não pode ser imaginado, concebido, conhecido e manipulado. Deve ser ouvido, recebido, reconhecido e seguido. Quando vento é imaginado, concebido, conhecido e manipulado, como é na técnica e teoria, deixa de ser vento e passa a ser movimento de ar, é “objetivado”. E o vento não é objeto: é meu Outro. Não é; existe. Por isso diz Buber: “Deus não é: creio n’Ele”. E Angelus Silesius”Ich weis,  das ohne  mich Gott nicht ein Nu kann leben“ =sei que sem mim Deus não pode viver sequer um instante. O vento é vento para mim, se eu lhe permitir ser vento. E se não lhe permitir, será movimento de ar, e não vento. Se não lhe permtir ser vento, será problema da aerodinâmica parcialmente já resolvido. Mas se lhe permitir ser vento, será enigma. Se não lhe permitir ser vento perderá a voz, e passará a ser vibração em decibéis manipuláveis. Será mudo. Mas agora, nesta noite em que cerca minha casa com fúria desesperada, o vento fala. Porque estou disposto a ouvi-lo. Por isso, a prece que diz “Chemá Israel, JHVH elohenu JHVH ekhád” (ouça, lutador por Deus, JHVH é nosso Deus, JHVH é um), é prece e não afirmação indicativa. Diz: “ouça!”. O vento que cerca minha casa com fúria desesperada nada indica; impera. Se eu lhe permitir isto. Essa é a sua mensagem. A despeito de todas as interferências ainda a recebo em noites como esta. “

Vilém Flusser, Natural:Mente, São Paulo, Duas Cidades,1979 (Ventos, trecho)

 

Finale

"and this is all the wisdom I can reap: I came like water and like wind I go" ("e essa é toda sabedoria que posso alcançar: vim como água, e como vendo eu vou")