O Vento Uiva, ouça

O Vento Uiva, ouça

Meu depoimento

 

O conjunto a que dei o título O Vento Uiva, ouça é composto por Declaração; manifestação Poética sobre Texto lido e Finale.

 

Declaração

Trabalhei com Flusser por alguns anos. Era seu assistente. Naqule tempo ele costumava pedir-me que lesse em voz alta aquilo que escrevia. Em uma ocasião pediu-me que lesse Ventos que está no livro Natural:Mente. Mas ele queixou-se que eu lia muito rápido. Retomei a leitura mais devagar e concentrado. Mergulhei no texto, senti o vento e suas variantes e, em um certo ponto umas tantas linhas me emocionaram. Tentei com toda força que não fosse notado. Mais uma página até o fim, li a última citação "this is all the wisdom I can reap: I came like water and like wind I go" (esta é a única sabedoria que posso alcançar:  eu vim como água e como vento eu vou). Abaixei o livro, levantei os olhos e percebi que alguma coisa tinha mudado.

Gabriel Borba para O Vento Uiva, ouça

 

 

Texto sob manifetação Poética

'... o vento uiva, isto é, fala. Portanto não é coisa. Coisas não falam. O vento não é um algo; é alguém a quem devo responder, é um tu que me chama para eu ser eu. Por ser um tu, o vento não pode ser imaginado, concebido, conhecido e manipulado. Deve ser ouvido, recebido, reconhecido e seguido. Quando vento é imaginado, concebido, conhecido e manipulado, como é na técnica e teoria, deixa de ser vento e passa a ser movimento de ar, é “objetivado”. E o vento não é objeto: é meu Outro. Não é; existe. Por isso diz Buber: “Deus não é: creio n’Ele”. E Angelus Silesius”Ich weis das ohne  mich Gott nicht ein Nu kann leben“ =sei que sem mim Deus não pode viver sequer um instante. O vento é vento para mim, se eu lhe permitir ser vento. E se não permitir será movimento de ar, e não vento. Se não lhe permtir ser vento, será problema da aerodinâmica parcialmente já resolvido. Mas se lhe permitir ser vento, será enigma. Se não lhe permitir ser vento perderá a voz, e passará a ser vibração em decibéis manipuláveis. Será mudo. Mas agora, nesta noite em que cerca minha casa com fúria desesperada, o vento fala. Porque estou disposto a ouvi-lo. Por isso a prece que diz “Chemá Israel, JHVH elohenu JHVH ekhád” (ouça, lutador por Deus, JHVH é nosso Deus, JHVH é um), é prece e não afirmação indicativa. Diz: “ouça!” o vento que cerca minha casa com fúria desesperada nada indica, impera. Se eu lhe permitir isto. Essa é a sua mensagem. A despeito de todas as interferências ainda a recebo em noites como esta. '

Vilém Flusser, Natural:Mente, São Paulo, Duas Cidades,1979 (Ventos, trecho)

 

Finale

"this is all the wisdom I can reap: I came like water and like wind I go" (esta é a única sabedoria que posso alcançar:  eu vim como água e como vento eu vou)

Gabriel Borba, 2020

 

 

Conjunto da Obra

O Vento Uiva, ouça