Nós
Nós, 2017
Curador: Francisco Salas
Exposição individual
(Remontagem, com acréscimos, da instalação de 1977 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Foram adicionados o vídeo gravado dentro da instalação e fotos da performance incluída no vídeo)
NÓS
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Press release
"Para aqueles que virão depois: a estrada para o futuro só pode ser aberta pelo passado
Tarik Ali
Recentemente li um artigo dizendo que o futuro da raça humana vai passar por algumas mudanças como parte do processo evolutivo. O antropólogo que escreveu o texto predisse que teremos olhos maiores, extremidades mais longas e memória mais curta. Eu me pergunto se a gente aguentaria não ter memória.
O sistema neoliberal e a sociedade em geral parecem não sentir remorso ao ignorar nosso passado recente como se uma amnésia conveniente o ocultasse. Políticos e outros atores do ”jogo” social relutam em voltar atrás em alguns aspectos da nossa história como se isso fosse algo que não se pode mencionar para não acordar a “besta” ou, talvez, para não incomodar nossa frágil consciência. Ainda assim o problema permanece, essa realidade passada não pode, até certo ponto, ser esquecida, pois são parte do que somos agora e devemos aprender com elas, construindo nossa sociedade por sobre a ruína passada de nossos atos mas, também com as nossas conquistas.
Em 1977 Walter Zanini convidou Gabriel Borba [São Paulo, 1942] para fazer um novo projeto para a nova ala recém aberta no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo [MAC USP] que foi chamada Espaço B, espaço dedicado a propostas experimentais e projetos não convencionais. Foi Zanini que, neste mesmo prédio um ano antes abriu a secção de video-arte que mais tarde permitiu a artistas próximos da Instituição produzirem seus trabalhos nesse laboratório de experimentação. Uma nova área que abriu novos caminhos para as artes no Brasil e também ajudou os artistas na produção de seu próprio trabalho. Naquela época o Brasil estava sob governo autoritário fazendo, como se vê agora em perspectiva, todas essas intervenções e ações que eram realmente corajosas e importantes para formatar o futuro da cultura moderna no Brasil.
Nós foi a segunda exposição apresentada no Espaço B, um projeto previsto por Gabriel Borba como uma janela por onde mostrar a tendência do seu trabalho dos últimos dez anos. Mas Nós trouxe a real preocupação do artista em relação à difícil situação que experimentou durante aqueles anos caracterizados pela falta de liberdade e democracia. Portanto ele desenvolveu neste projeto uma posição firme e uma declaração política dura contra a violência insensata e o subsequente silencio forçado imposto pelo regime ditatorial.
Apesar do trabalho ser resultado direto dos conflitos pelo quais o artista passou neste período conduzido pelo medo, também abrange a violência de modo mais amplo, já que Gabriel Borba estava bem atento à situação social e política na Espanha durante a ditadura de Franco. Entre outras coisas ele estava profundamente impressionado pelo assassinato de Salvador Puig Antich, crime que influenciou diretamente a primeiríssima versão de Nós em 1975 [pequeno trabalho em papel incluído no folder coletivo TRÄMA e no qual o artista aparece amarrado ao garrote como o ativista espanhol].
Mas a instalação feita em 1977 no Espaço B foi inspirada principalmente por dois fatos: um o assassinato de um amigo muito próximo de Gabriel Borba e de conhecidos durante a parte mais violenta do período ditatorial, e outro foi a lembrança de um filme francês de curta metragem que o artista viu na Aliança Francesa em São Paulo,no qual um prisioneiro condenado foi invadido por lembranças pessoais [cena como em sonhos] de imagens de calma, reconfortantes memórias de amor e beleza enquanto estava, de fato, esperando para ser enforcado. Breve momento de felicidade que lhe passaram pela mente antes de sua morte.
Nós afirma essa urgência de libertar a mente das amarras de um regime que limitou e feriu tanto e muitos. Uma ânsia de liberdade e uma sofrida ode a injustiça, mas também um vívido chamado poético àqueles que ainda sentem que as ideias aqui expostas são/foram também deles.
*Nós, aqui, em seu duplo sentido"
Meu depoimento
A instalação Nós foi, originalmente, montada em 1977 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, gestão Walter Zanini, no Espaço B destinado a experimentações artísticas. A época era perturbadora e a instalação comportou sussurro de vozes clamando por pessoas que de um modo ou de outro sofreram consquências, vitimadas tanto pelo poder como pela revolta.
Pronta, a instalação foi palco da performance Corpo que Cade (01; 02; 03) e cenário para o video Nós VT.
Sempre me pareceu boa idéa remontá-la acrescida do que gerou: imagens da performance e o video.
Francisco Salas, diretor e curador da Galeria PM8, em Vigo, Espanha, em seu esforço em tornar histórico o que lhe pareceu relevante, o fez.
Gabriel Borba, 2019