ARTEMICRO

ARTEMICRO, 1982

Curador: Regina Silveira e Rafael França

Exposição coletiva

ARTEMICRO

Meu depoimento

 

Regina Silveira e Rafael França propuseram ao MIS, Museu da Imagem e do Som, São Paulo, a seleta de trabalhos feitos para aparelhos de leitura de micro filmes. Era época em que nos preocupávamos em variar a possibilidade de expressão usando como suporte técnicas e tecnologia de registro e comunicação distantes das meios tradicionais nas artes plásticas.

Já há algum tempo ouvia-se a nomenclatura Arte Meio como categoria dedicada a desvelar e transformar em meio de expressão recursos onde se via essa potencialidade. Descobrir e apontar recursos assim foi uma dessas atividades. Por exemplo, o que posso fazer com um saco de areia de 2kg?... Outra possibilidade foi aprofundar alguma característica do recurso que se aponte. Por exemplo dedicar-se, por correio, a ampliar o catálogo de endereço disponível em Arte Postal. Em muitos desses casos, descobrir, apontar e disso fazer um  meio de expressão era, em si, a obra. O vídeo, o correio, o carimbo... o micro filme.

Muitas vezes a própria produção de um evento assumia potencialidade de expressão artística(?) −interrogação em respeito ao artigo de Rudolf Arnheim, Obra Conceitual um Grande Engano, São Paulo, Jornal da Tarde, set 1974. Em 2017 em pendenga com curadores da exposição Copy Art in Brazil, Universidade de San Diegom USA, pedi que retirassem da mostra páginas separada do encarte Receita de Arte Brasileira já que entendia que a obra era a publicação em si e não o seu conteúdo. Incluindo como obra a própria formação da Cooperativa Geral Para Assuntos da Arte, sua editora.

 

Aceitei o convite do MIS sem antes refletir sobre a possibilidade e fui no caminho que já usava, jogo de palavras. Usei o título da exposição, ARTEMICRO e montei 3 pranchas muito simples explorando a ideia MICRO e sua óbvia ampliação pelo equipamento.

 

        

 

Foi engraçadinho e pertinente. E simples como deve ser. A sequência MICRO-OBVIO-MICROBVIO é boa e sofisticada em sua simplicidade redundante. 

Com o tempo, depois da exposição, reelaborei o conjunto que me pareceu interessante, abandonando a ideia de leitura em sistemas para micro formas, apegando-me ao caminho seguido até MICROBVIO que já tinha encontrado, segui adiante perseguindo a fatalidade da "Condição Humana". Usei a estrutura de concertos musicais e os "triplets", joguete inventado por Lewis Caro, para desenvolver Obvium cum Triplet

Gabriel Borba, 2020 

Conjunto da Obra

Obvium cum Triplet

O Vento Uiva, ouça, 2020

video performance online

Obras, Séries e Coleções: O Vento Uiva, ouça

Exposições: Flusser 100 Anos

O Vento Uiva, ouça

Meu depoimento

Para celebrar os 100 de Flusser, em evento online, optei por um video simples baseado na profunda impressão deixada por episódio da minha experiência como seu assistente. Tive a colaboração de Monai de Paula Antunes, pesquisadora de arte, colaboradora do  Vilém Flusser Archiv, Berlin, tudo feito por recursos de telefone celular, vencendo a distância que nos separava.

O conjunto a que dei o título O Vento Uiva, ouça é composto por Declaração; manifestação Poética sobre Texto lido e Finale.

 

Declaração

Trabalhei com Flusser por alguns anos. Era seu assistente. Naqule tempo ele costumava pedir-me que lesse em voz alta aquilo que escrevia. Em uma ocasião pediu-me que lesse Ventos que está no livro Natural:Mente. Mas ele queixou-se que eu lia muito rápido. Retomei a leitura mais devagar e concentrado. Mergulhei no texto, senti o vento e suas variantes e, em um certo ponto umas tantas linhas me emocionaram. Esforcei-me para que não se notasse. Mais uma página até o fim, li a última citação "this is all the wisdom I can reap: I came like water and like wind I go" (esta é a única sabedoria que posso apanhar:  eu vim como água e como vento eu vou). Abaixei o livro, levantei os olhos e percebi que alguma coisa tinha mudado.

Gabriel Borba para O Vento Uiva, ouça

 

 

Texto sob manifetação Poética

“... o vento uiva, isto é, fala. Portanto não é coisa. Coisas não falam. O vento não é um algo; é alguém a quem devo responder, é um tu que me chama para eu ser eu. Por ser um tu, o vento não pode ser imaginado, concebido, conhecido e manipulado. Deve ser ouvido, recebido, reconhecido e seguido. Quando vento é imaginado, concebido, conhecido e manipulado, como é na técnica e teoria, deixa de ser vento e passa a ser movimento de ar, é “objetivado”. E o vento não é objeto: é meu Outro. Não é; existe. Por isso diz Buber: “Deus não é: creio n’Ele”. E Angelus Silesius”Ich weis,  das ohne  mich Gott nicht ein Nu kann leben“ =sei que sem mim Deus não pode viver sequer um instante. O vento é vento para mim, se eu lhe permitir ser vento. E se não lhe permitir, será movimento de ar, e não vento. Se não lhe permtir ser vento, será problema da aerodinâmica parcialmente já resolvido. Mas se lhe permitir ser vento, será enigma. Se não lhe permitir ser vento perderá a voz, e passará a ser vibração em decibéis manipuláveis. Será mudo. Mas agora, nesta noite em que cerca minha casa com fúria desesperada, o vento fala. Porque estou disposto a ouvi-lo. Por isso, a prece que diz “Chemá Israel, JHVH elohenu JHVH ekhád” (ouça, lutador por Deus, JHVH é nosso Deus, JHVH é um), é prece e não afirmação indicativa. Diz: “ouça!”. O vento que cerca minha casa com fúria desesperada nada indica; impera. Se eu lhe permitir isto. Essa é a sua mensagem. A despeito de todas as interferências ainda a recebo em noites como esta. “

Vilém Flusser, Natural:Mente, São Paulo, Duas Cidades,1979 (Ventos, trecho)

 

Finale

"and this is all the wisdom I can reap: I came like water and like wind I go" ("e essa é toda sabedoria que posso alcançar: vim como água, e como vendo eu vou")